Clemaarj 2020 – a reação do Rio aos ataques à política ambiental

Os organizadores vão decidir, esta semana, se realizam uma prévia virtual da Conferência Livre Estadual do Meio Ambiente e Agricultura, marcada originalmente para dia 27 de junho.

Petróleo, nióbio, ferro, água… Os recursos naturais são o maior alvo de exploração do grande capital, necessários para evitar a quebra do sistema financeiro e para dar lastro concreto a uma economia altamente virtualizada e que ainda enfrenta os prejuízos deixados pela crise de 2008, advertiu Paulo Lindesay, coordenador do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida RJ e diretor da ASSIBGE-SN, uma das entidades organizadoras da Conferência Livre Estadual do Meio Ambiente e Agricultura (Clemaarj 2020). A Conferência, pela primeira vez promovida sem o apoio governamental, deveria acontecer  no dia 27 deste mês, mas devido à pandemia de covid-19, os organizadores vão definir, esta semana, se promovem uma prévia online do evento, até que ele possa acontecer de forma presencial sem risco para a saúde dos participantes. Os principais eixos temáticos da Clemaarj 2020 pautaram encontros preparatórios online e foram o tema da transmissão ao vivo conduzida no última quarta-feira (3), pelo canal no YouTube do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).

“A Clemaarj tem importância vital na resistência ao projeto de destruição do grande capital, já que o tema do meio ambiente é central para que o grande capital capture as nações”, explicou Lindesay. “A economia hoje é virtual, feita de papéis podres, derivativos, títulos sem lastro.” Segundo ele, para um PIB mundial da ordem de US$ 100 trilhões, há papéis circulando, sem lastro, em valor total de até 20 vezes mais. “O meio ambiente é primordial para transformar a economia virtual, de papéis, em real. E, para isso, é necessário haver flexibilização das leis ambientais existentes, como nunca antes, para que os bancos e as grandes corporações possam, efetivamente, avançar sobre o mundo real: petróleo, nióbio, ferro.”

Lindesay destaca que os países ainda sentem os efeitos da crise de 2008, quando, só nos EUA, foi preciso injetar US$ 16 trilhões nos bancos para que não quebrassem. “E o que quebrou foram os Estados nacionais”, explica. A chanceler alemã  ngela Merkel chegou a afirmar que seriam necessários 20 ou 30 anos para “achar um porto seguro” para os papéis podres. Com o objetivo de absorver esses papéis sem lastro, que quebraram muitos fundos de pensão, foram criados então os chamados “bad banks”. No Brasil, essas instituições foram favorecidas com previsão de investimentos até na lei que instituiu o fundo social do pré-sal, critica o diretor da ASSIBGE, associação dos funcionários do IBGE.

“Movimentos que aglutinem as pessoas como a Clemaarj têm grande potência de união, importante para fazer frente ao que vem ocorrendo no Brasil”, observou Antônio Neiva, diretor do Senge RJ, lembrando as ameaças que cercam o setor de energia, com as tentativas de privatização da Eletrobras, da regulamentação de intermediários nesse mercado e de fomento às termelétricas e à energia nuclear como política pública no atual governo.

“A energia é o maior gerador de gás efeito estufa do mundo, com 60%”, informa Neiva. “Temos que ter muito cuidado em como vamos gerar e consumir. Mas o PL 232, do governo, em vez de melhorar, como previsto no Acordo de Paris, vai diminuir a parte das fontes renováveis na matriz energética. O Rio tem potencial eólico, renovável, de até quatro ou cinco vezes a demanda total do estado. Mesmo assim, o governo quer investimentos em Angra e na termelétrica do Complexo do Açu, a maior da América Latina.” Além disso, ele aponta o PL 3729, proposto pela bancada ruralista, que dispensa o licenciamento para atividades agropecuárias, institui o modelo autodeclaratório e “deve promover mais acidentes, mortes, doenças.”

Água e racismo ambiental

Também na área de saneamento básico há o risco de apropriação dos ativos públicos pelo setor privado, advertiu a Cacica Tereza Arapium, liderança indígena, representando a ONG Baía Viva. “Vim falar da crise hídrica, no Rio, no Brasil e no mundo. As pessoas mais vulneráveis não têm acesso à água potável, normal, desde a contaminação no episódio da geosmina, que compramos água mineral, o que a maioria não pode fazer, nas favelas, nas comunidades, os parentes indígenas, os quilombolas, os trabalhadores rurais…. Muitos não têm acesso.” Por isso, ela critica o PL que altera o marco legal do saneamento, posicionando-se contra a “mercantilização da água” e a privatização da Cedae.

O PL 4.162 está para ser votado e faz parte de toda uma política pública no governo federal, que despreza a vida e o princípio da precaução, alerta Andrea Matos, executiva da CUT Rio e conselheira do Observatório Nacional do Direito à Água e ao Saneamento (ONDAS ). Ações que vão da abordagem do combate à pandemia à “transformação do Brasil em lixeira de agrotóxicos e produtos químicos que não servem mais para outras nações”. “A pandemia nos mostrou antecipadamente que a maioria da população, 100 milhões de brasileiros não têm acesso a água e saneamento”, destacou Andrea. “E a maioria é o povo negro, pobre, periférico e favelado. É esse racismo ambiental, estrutural, que a gente está aqui reunido para apontar.”

A Clemaarj soma 104 entidades, que vão gerar um documento público, podendo ser acionado como referência por instituições como o Ministério Público, denunciando ao mundo o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Inclusive a subnotificação de casos de Covid-19, diz a ativista. “Quando se quer um Estado mínimo, é um Estado mínimo para o povo preto. É uma nova tentativa de embranquecimento: mas combinaram de nos matar e combinamos de não morrer.”

No Rio, outra pauta crítica é o projeto de construção de um autódromo na Floresta do Camboatá, em Deodoro. Este mês, a Justiça suspendeu uma audiência pública virtual que pretendia aprovar a iniciativa. “Foi uma grande vitória da mobilização com o Ministério Público para barrar esse projeto totalmente torto e absurdo”, comemorou Jorge Antônio, engenheiro agrônomo e diretor do Senge RJ, da equipe de coordenação da Clemaarj. Outra boa notícia, diz o dirigente sindical, foi que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) derrubou o veto do Executivo à pesquisa da cannabis medicional no estado. “Temos um ministro contra o meio ambiente,  o que faz mais clara a necessidade de nos organizarmos para defender a agricultura, o meio ambiente, a educação, a ciência, a cultura… Todas as políticas ambientais que se somam contra o preconceito, o racismo. A Clemaarj está junta nesse processo.”

Plano estadual de agroecologia

A conferência livre também é oportuna, porque os problemas do Rio de Janeiro devem ser objeto da atenção de uma Comissão formalizada  na Secretaria Estadual de Cultura para discutir a regulamentação e a aplicação da Lei 8625/19. A lei dispõe sobre a Política Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável de Agroecologia e de Produção Orgânica, aprovada em outubro do ano passado, informou Euler Dantas, diretor de Comunicação Associação dos Agricultores Biológicos (Abio), formada por 600 produtores, a maioria agricultores familiares, e gestor da Massamãe Padaria Atemporal.

Esse plano estadual prevê cerca de 30 objetivos, além de diretrizes e a criação de instrumentos para sua estruturação. “Entendemos que a agroecologia no Rio e no Brasil é importante porque está vinculada à economia e ao meio ambiente, à questão territorial”, afirma. O momento torna-se então, ainda mais relevante para a Clemaarj, diz, na medida em que haverá uma dinâmica de debates para “redirecionar esse setor, trazendo as políticas que a gente acha que são favoráveis.” A Abio, afirma, luta atualmente, como toda a agroecologia, contra as políticas recentes que desarticularam programas de soberania e segurança alimentar, suspenderam a produção de alimentos para merenda, os bancos de alimentos. “Houve muita criatividade para escoamento da produção, mas há uma instabilidade grande no mercado.”

Nesse sentido, Ofélia Ferraz, da coordenação de Assuntos Científicos e Culturais da Associação Profissional dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro (APSERJ ), ressaltou o debate sobre educação ambiental e cultura, lembrando que a LDB e os PCNs completam, em 2020, respectivamente, 27 e 24 anos de sua criação. “Esse jovem de 24 anos… não era para eleger um presidente que correspondesse a um Estado de exceção. Mas não é o aluno… [que vota]. São os invisíveis, que não têm registro civil, muita gente fora do banco escolar”, lamenta ela, criticando, ainda, a cultura do consumo que também ingressa no ambiente escolar. “A gente desgasta a natureza não só como ser humano consumidor, mas como consumidor de corporações que fabricam coisas que não são importantes. A escola tem discutir isso.”

Para Rylla Moraes, presidente estadual do Ecotrabalhismo-RJ e diretora de Meio Ambiente da União Estadual de Estudantes (UEE-RJ), é preciso inserir a questão ambiental na escola, desde o ensino fundamental. Sob ataque, a pauta passa a integrar as bandeiras do movimento estudantil. “Com um ministro [Ricardo Salles] que diz que vai aproveitar a pandemia para fazer o que quiser com a lei ambiental, esse tema, numa luta que vem de anos, não pode ficar  de fora. Seja na pesquisa, nas universidades, indo às ruas, conversando… as profissões todas trabalham hoje com algum tipo de recurso natural.”

A ausência do Estado na realização da conferência deste ano, se revela a disposição predatória do governo, também mostra que a sociedade civil está atuante na resistência. “Estávamos acostumados à Conferência do Meio Ambiente ser chamada de cima para baixo”, reconhece Mauro Pereira, biólogo, diretor executivo do Defensores do Planeta e ponto focal da América Latina para a justiça socioambiental da agenda 2030 da ONU. “Mas mostramos ao governo que a sociedade não está dormindo, está ativa, quer construir uma sociedade melhor, mais inclusiva. Uma vez que não teríamos a Conferência, estamos construindo a Clemaarj.”

Ele observou que a pandemia alterou o cronogramas dos grandes eventos internacionais relacionados à mudança climática (como a COP 26, já adiada para novembro de 2021), ao mesmo tempo em que o Brasil passa a ter uma participação pífia e desastrosa na agenda ambiental internacional. “Em dezembro de 2019 [o ministro Ricardo Salles] já sinalizava que estava abrindo a porteira para a boiada passar. Mas estamos aqui para fechar a porteira.”

CONFIRA AQUI A ÍNTEGRA DO AO VIVO COM ALGUNS DOS ORGANIZADORES DA CLEMAARJ 2020

> O Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) realiza todas as quartas-feiras, em seu canal no YouTube, debates ao vivo sobre temas relevantes para o profissional de Engenharia. Participe! 

Clique para saber mais sobre a CLEMAARJ

Pular para o conteúdo