Os militares têm um projeto de ditadura e de submissão para o país, diz pesquisador

O lançamento do livro “Comentários a um delírio militarista” (org. Manuel Domingos Neto) encheu o auditório do Senge RJ nesta segunda (17). O evento foi “um ato de fé na democracia”, afirmou o engenheiro Francis Bogossian, presidente do Ibep.

“É um projeto de ditadura, um projeto assombroso de submissão dos interesses nacionais, de destruição da memória, de destruição da alma brasileira, um projeto fascista, de nos jogar na condição de produtor e exportador de minério e de comida, um projeto de acabar com o sistema representativo e democrático, de estabelecer um centro de governo à revelia da representação popular.” É assim que o historiador Manuel Domingos Neto define a proposta apresentada em maio deste ano por militares, intitulada ‘Projeto de Nação – O Brasil em 2035”.

O pesquisador (à esq.) participou nesta segunda-feira (17) do lançamento do livro “Comentários a um delírio militarista” (ed. Gabinete de Leitura), de que é organizador e um dos mais de 40 articulistas. Em 35 artigos, os autores comentam o documento militar, que foi produzido por meio de uma parceria entre o Instituto Sagres (de inspiração estadunidense), o Instituto Federalista e o Instituto General Villas Bôas, com proposições gerais para o Brasil. “É um livro sobre o delírio que corre nos quartéis visando perpetuar o domínio castrense”, adverte Domingos Neto. “Um alerta de que os militares têm projeto, sabem o que fazer e não é coisa boa.”

O documento militar foi lançado no primeiro semestre em evento que contou com a participação do vice-presidente Hamilton Mourão. Profundamente regressivo, cobre todos os setores da economia e da sociedade, recuperando conceitos da doutrina de segurança nacional, da ditadura civil-militar encerrada em 1985. Adota noções da extrema direita internacional, como a luta contra o “globalismo”, a exploração predatória da Amazônia, o combate à ideia de diversidade, a defesa da cobrança de mensalidades em universidades públicas, etc.

Para Domingos Neto, é urgente que os parlamentares, os partidos políticos, os formadores de opinião, a academia (nos seus cursos de História, Sociologia, Antropologia, entre outros) e outros segmentos da sociedade brasileira estudem os militares. Sugere, para começar, a leitura do seu artigo “Sobre o patriotismo castrense” – disponível aqui na íntegra. “O que vamos decidir no dia 30, dizem que é barbárie versus civilização. É sim, mas do ponto de vista objetivo, é a pátria, qual nação sairá destas eleições. Espero que seja uma nação dos brasileiros, não o patriotismo castrense, porque esse nasceu de joelhos.”

Doutor em História pela Universidade de Paris, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed) e ex-vice-presidente do CNPq, ele aponta a grande dificuldade de a sociedade conhecer as posições políticas e as intenções das Forças Armadas. “Todo mundo quer saber o que querem e podem fazer os militares, e também o que fazer com os militares. Mas é muito difícil dizer, porque são caixas pretas difíceis de penetrar.”

Mesmo assim, Domingos Neto reconhece que é possível afirmar que, sem os militares, não haveria o atual governo. O relativo respeito das Forças Armadas às instituições durante as gestões petistas não impediu que elas estivessem, ao mesmo tempo, “preparando a pernada”. A máquina militar, explica o historiador, domina o Estado e corresponde à sua vontade original, de subalternidade externa, e à doutrina que considera como ameaça a sua própria população.

Para transformar as Forças Armadas, na sua opinião, será necessário transformar o próprio conjunto do Estado brasileiro – o Sistema de Segurança Pública (e as PMs), do Judiciário e de Ensino. “É o controle das almas”, diz. “Esse ensino cívico-militar está aprontando o Brasil fascista.” Segundo o historiador, temos hoje uma “sociedade desavisada com relação ao perigo que corremos da vontade castrense de dominar”.

O lançamento do livro encheu o auditório do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). Contou com mesa de debates (à dir.) formada pelo professor Gisálio Cerqueira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), pelo engenheiro Francis Bogossian, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (Ibep), pelo presidente do Senge RJ, Olímpio Alves dos Santos, e pelo organizador do livro, o historiador Manuel Domingos Neto. Também estiveram presentes o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, a jornalista Hildegard Angel e o deputado federal reeleito Glauber Braga (Psol-RJ), o geólogo Guilherme Estrella, o jornalista Cid Benjamin, junto a vários articulistas que participam da publicação, como o antropólogo Luiz Eduardo Soares, o economista Eduardo Costa Pinto, a jornalista Cristina Serra.

“A organização desse livro, cujo lançamento estamos patrocinando, e a realização deste ato – esta assembleia democrática – devem ser entendidas como uma profissão de fé na democracia e na construção de uma sociedade justa – sonho que jamais abandonaremos”, ressaltou Bogossian. “O processo histórico cobra nossos compromissos com o país. E aqui estamos para dizer: presente!”
Fotos: Senge RJ (na capa) e Umberto Marques 

SAIBA MAIS:
https://www.sengerj.org.br/posts/na-segunda-17-18h30-no-senge-rj-lancamento-de-coletanea-sobre-a-questao-militar

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